"Fizemos uma profunda investigação dentro do nosso gabinete e encontramos fortes indícios de um esquema usado para financiar e expandir invasões [de terras] em Santa Catarina." É assim que começa um vídeo denúncia publicado nesta semana pelo vereador Cryslan de Moraes (NOVO), de São José, na Grande Florianópolis. A gravação, de quase três minutos, ultrapassou 300 mil visualizações em apenas três dias no Instagram e colocou o tema no centro das atenções — com impactos diretos em Garopaba, no Sul do estado.
O parlamentar aponta que grupos estariam usando editais culturais como fachada para financiar invasões em diferentes municípios, prática considerada crime no Brasil, seja em áreas públicas ou privadas. “Um dos sinais mais claros é o recebimento de mais de meio milhão de reais do governo federal, por meio de editais públicos destinados à cultura catarinense”, afirma.
Cryslan cita como exemplo o Festival Internacional de Cinema Ambiental de Garopaba (FICA Garopaba), que recebeu repasses que totalizam R$ 300 mil nos anos de 2023 e 2024. Para embasar a denúncia, o vereador exibe uma fala de Filipe Bezerra, suposto articulador de invasões em Palhoça, na qual ele sugere usar eventos culturais e festivais de cinema para se infiltrar em comunidades, conquistar a confiança dos moradores e expandir sua atuação. “A gente vai comendo pelas beiradas até chegar no miolo”, diz Bezerra em um dos trechos exibidos.
"Nossa investigação mostra que, em 2023, o produtor Rogério Ribeiro Santos recebeu R$ 200 mil por meio do edital nº 32/2023 para realizar o 3º Festival Internacional de Cinema Ambiental de Garopaba (FICA Garopaba). Em 2024, o edital nº 50/2024 vai destinar R$ 100 mil à produtora Pátria Grande Produções para a próxima edição desse mesmo festival, programada para a próxima semana. Filipe Bezerra consta como membro da equipe desses eventos", ressalta Cryslan.
Segundo o político, os festivais estariam sendo usados para se aproximar das comunidades e estimular ocupações irregulares, com Garopaba como próximo alvo. O vereador reforça que o uso de recursos públicos para fins políticos é proibido e, diante dos indícios, solicitou a documentação completa dos repasses via Lei de Acesso à Informação (LAI). Ele também planeja solicitar auditoria ao Tribunal de Contas da União (TCU) e apresentar o pacote legislativo “SC Sem Invasão”, que visa impedir que entidades envolvidas em invasões recebam financiamento público.
Prefeitura de Garopaba e organização do FICA se manifestam
Criado para levar cinema e educação ambiental a praças, escolas e espaços culturais de Santa Catarina, o evento chega à 4ª edição este ano e está programado para ocorrer entre 11 e 16 de novembro em Garopaba, Imbituba e Florianópolis. A programação contempla curtas, médias e longas-metragens.
No entanto, diante da repercussão do caso, o prefeito de Garopaba, Júnior Abreu, e o vice, Guto Chaves (ambos do PP), se manifestaram por meio de um vídeo publicado nas redes sociais, informando que o evento não será realizado em espaços públicos, como a Casa de Cultura e a Praça Governador Ivo Silveira, como estava previsto inicialmente e havia acontecido em edições anteriores.
“Somos a favor da cultura — aquela que valoriza nossas raízes, promove a arte, o esporte e o desenvolvimento das pessoas. Mas somos contra qualquer tentativa de usar o nome da cultura para enganar, mascarar interesses ou financiar invasões de terra. Cultura não é disfarce para ilegalidade. Em Garopaba, o incentivo é para quem faz cultura de verdade, com trabalho, respeito e responsabilidade”, afirmaram os políticos na legenda da postagem.
À PIXTV, Cristovam Muniz Thiago, coordenador do festival, disse ter recebido as denúncias com muita indignação. “A gente está numa quarta edição do evento, com dois anos sendo feito na raça, sem dinheiro nenhum, nenhum, nenhum. E agora estamos indo para o segundo ano ganhando editais públicos”, afirmou.
Ele ressaltou que os recursos vêm do Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), com verbas do Governo Federal e da Política Nacional Aldir Blanc.
“A gente presta contas para o governo de Santa Catarina, através da Fundação Catarinense de Cultura, que inclusive nos escreveu para dizer que estava perplexa com o que aconteceu, porque nossas contas estão completamente aprovadas e em dia. Então é revoltante. A gente vai realmente tomar providências legais e esperamos que, em breve, esse vereador seja obrigado a se retratar de tamanho absurdo.”
Ao ser questionado sobre o envolvimento de Filipe Bezerra no evento, Cristovam esclareceu que ele atuou apenas como curador na 3ª e 4ª edição, recebendo R$ 4.350, com notas fiscais e registros aprovados.
"Ele foi contratado como prestador de serviço para integrar a equipe de curadoria, responsável pela seleção dos filmes [que serão exibidos no festival]", explicou Cristovam. Ele destacou que coordena a equipe, formada por profissionais de diferentes áreas, como cineastas, sociólogos e estudantes de engenharia.
“Filipe é ator, é formado em agronomia, então entende da parte ambiental e também trabalha com agroecologia. Ele entende tanto da questão ambiental quanto da artística, e ajuda a escolher os filmes. É um trabalho realizado remotamente, com reuniões online, que durou cerca de nove meses, desde o início do ano, antes mesmo do dinheiro do edital ser liberado, porque é um processo demorado, recebemos filmes do mundo inteiro. Então, Filipe atuou simplesmente nisso.”
O organizador disse que o evento está mantido. Os novos locais das exibições e oficinas foram divulgados nesta sexta-feira (7) e incluem o Centro Cultural Raíz, o Espaço Colmeia e o Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).
“A gente tem certeza de que será uma edição com um público incrível. Os filmes, eu não tenho a menor dúvida, são realmente tocantes, abordando diversos assuntos, de várias nacionalidades, com muitos filmes brasileiros. Estamos muito tranquilos, sabemos da nossa prestação de contas e vamos realizar mais um ano do evento. E no próximo ano, estaremos novamente em Garopaba", finalizou.
A organização do evento também emitiu uma nota de esclarecimento:
Projeto de lei contra invasões em Garopaba
Com o tema em destaque, o vereador Jairo Pereira dos Santos (PP) publicou nas redes sociais um vídeo anunciando que seu mandato protocolou um projeto de lei que estabelece medidas administrativas de prevenção e repressão à ocupação irregular de imóvel urbano ou rural, público ou privado, em Garopaba.
Veja a justificativa do Projeto de Lei Ordinária nº 181/2025:
O presente Projeto de Lei tem como finalidade instituir medidas administrativas de prevenção e repressão à ocupação irregular de imóveis públicos ou privados no Município de Garopaba, assegurando o respeito ao direito de propriedade, ao ordenamento territorial e ao pleno exercício das competências municipais.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXII, assegura o direito à propriedade como garantia fundamental. Além disso, o artigo 30, incisos I e VIII, estabelece que cabe ao Município legislar sobre assuntos de interesse local e promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.
Nesse contexto, é dever do ente municipal coibir práticas que atentem contra o patrimônio público e privado, especialmente situações envolvendo ocupações irregulares, invasões e esbulhos possessórios que vêm ocorrendo em diversas cidades brasileiras.
O projeto estabelece que, identificada a ocupação irregular, o fiscal municipal poderá lavrar auto de infração, aplicar multa e determinar a imediata interrupção da ocupação, reforçando a atuação administrativa do Município. Quando a conduta configurar crime, a Polícia Militar poderá ser acionada para registro da ocorrência, nos termos dos arts. 150 e 161 do Código Penal.
Esses dispositivos reforçam que a ocupação irregular de imóvel não é uma forma admissível de reivindicação social, mas sim conduta ilícita enquadrada no ordenamento jurídico brasileiro.
Outro ponto central da proposta é a proibição de repasse de recursos públicos municipais — por meio de convênios, subvenções, termos de fomento ou qualquer outra forma de transferência voluntária — para entidades, associações, movimentos ou grupos que tenham por finalidade, incentivo ou apoio a invasão de propriedades. Não se menciona qualquer organização nominalmente, respeitando o princípio da impessoalidade, mas a vedação é objetiva: o dinheiro público não pode financiar atividades ilícitas.
O projeto também prevê que pessoas identificadas como ocupantes irregulares não poderão ser contempladas com programas habitacionais municipais, a fim de evitar estímulo à ocupação irregular como porta de entrada para benefícios futuros. Contudo, em respeito aos princípios constitucionais e à legislação federal (Lei nº 8.742/1993 – LOAS), o texto não restringe benefícios de assistência social essenciais, como atendimento de saúde ou programas de subsistência.
Também se inclui dispositivo que permite, por meio de processo administrativo regular, a suspensão de benefícios não essenciais, a rescisão de contratos ou exoneração de cargos comissionados quando houver participação em ocupação irregular, assegurados o contraditório e a ampla defesa, em respeito aos artigos 5º, LIV e LV da Constituição Federal.
A aprovação deste Projeto fortalecerá a organização urbana, a segurança jurídica, a proteção do patrimônio público e privado e a correta aplicação dos recursos municipais.
Diante de tais fundamentos, considerando tratar-se de medida de relevante interesse público e alinhada ao ordenamento constitucional vigente, solicito o apoio dos nobres Vereadores para aprovação da proposta.
A PIXTV entrou em contato com a Prefeitura de Garopaba, com Filipe Bezerra e com os vereadores Cryslan e Jairo, mas ainda não obteve retorno. Esta reportagem será atualizada assim que as respostas forem recebidas.






