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Em meio a tragédia no RS, histórias resistem às águas

A PIXTV conversou com duas vítimas e com uma voluntária catarinense que viajou ao Estado para ajudar os atingidos pela tragédia climática.
Cidade de Cruzeiro do Sul exibe um rastro de completa destruição. | Fotos: Arquivo Pessoal

Redação PIXTV (Site)

7 de novembro de 2024

atualizado às 15:17

Os olhos do Brasil estão voltados para o Rio Grande do Sul. Todos querem acompanhar os desdobramentos da maior tragédia climática já registrada no Estado. Ao longo das últimas duas semanas, rios transbordaram e as águas tomaram conta de mais de 90% das cidades gaúchas. As imagens exibidas na TV mostram o "cenário de guerra" provocado pelas fortes chuvas e os esforços das pessoas para recomeçar em meio ao sentimento de tristeza que fica do que se perdeu.

Números divulgados diariamente pelas autoridades locais ajudam a dimensionar o tamanho do desastre. São 151 mortos, 104 desaparecidos, 806 feridos, 2.281.774 afetados, 77.199 abrigados e 538.167 desalojados. Além de inúmeros resgates de pessoas e animais, casas, carros e ruas que foram completamente assolados pelas chuvas - não há um levantamento oficial das autoridades.

Aqueles que estão no epicentro da emergência relatam que o cotidiano se tornou um caos devido às enchentes. Foram forçados a deixar seus lares e seus pertences. Ilhados e com medo de serem roubados, alguns moradores ainda se recusam a sair. Arriscam a própria vida para resguardar o pouco que lhes sobrou.

A PIXTV conversou com duas vítimas e com uma voluntária catarinense que viajou ao Estado para ajudar os atingidos pela tragédia climática.

Fuga de enchente em Porto Alegre

"Não temos estimativa do que perdemos e de quando ou se poderemos retornar para nossa casa. Ainda choro todos os dias em um misto de sentimentos", diz a gaúcha Amahnda da Silva, de 29 anos. Em entrevista à PIXTV, a moradora do bairro Humaitá, na Zona Norte de Porto Alegre, contou em detalhes os momentos de desespero que viveu ao conseguir fugir com o filho de 3 anos das cheias que atingiram a cidade.

Ela mora há mais de duas décadas em um sobrado de três pisos na avenida José Aloísio filho. A residência compartilhada com os pais e o irmão fica em um condomínio fechado e teve todo o primeiro andar tomado pela água no dia 4 de maio. "A medida que o dia passava, a água foi subindo cada vez mais. Mas era uma situação tão irreal que alguns vizinhos saíram de galochas de chuva e vassouras na mão para varrer a água. Nunca tínhamos visto algo parecido com o volume de água que se acumulava em 20 e poucos anos morando no bairro. Muitas pessoas deixaram as casas de Jeeps naquele mesmo dia. Mas minha família decidiu ficar", contou.

Em um primeiro momento, eles decidiram ficar no local por conta de algumas limitações que envolviam o cachorro da família de porte médio que não é sociável e um problema de saúde da matriarca. Eles também não imaginavam que a água chegaria ao nível que atingiu a casa. "Não sairiam da casa sem meu cachorro que estava em estresse severo. E minha mãe havia feito uma cirurgia no ombro, tinha 10 dias, não tinha mobilidade para sair", explicou.

Diante da gravidade da situação, Amahnda buscou informações na internet sobre abrigos. A gaúcha reuniu duas mudas de roupas em uma mochila e ficou na janela pedindo socorro até ser vista por voluntários no domingo (5). "Era tudo muito assustador. Precisávamos ir caminhando pela água que já batia na cintura deles, até à frente do condomínio que eram umas três ruas para frente para poder pegar um bote salva-vidas. Meu filho foi no ombro do vô dele. Ele não gosta de andar assim e tremia muito. Eu também tremia muito. Um voluntário me deu a mão, eu tava tendo uma crise de pânico. A água quase batia no meu peito, os voluntários me pediam para respirar fundo para me acalmar, conversavam e brincavam com meu filho e todo o tempo eram incrivelmente empáticos".

"Antes de chegar no bote salva-vidas eu não dava mais pé na água, conseguiram uma prancha de surf para me colocar. Subi no bote. Meu filho disse que parecia até um passeio e veio para o meu colo. Um casal com um cachorro também entrou no mesmo bote. Do bote eu pude ver a dimensão do que estava acontecendo. A escola do meu filho estava submersa. Doeu muito. Quando fomos andando com o bote, pessoas gritavam dos outros prédios “tem criança aqui”. Muitos barcos e botes o bairro totalmente alagado. Uma dor. Chegamos em uma elevação em uma rua. Que parecia uma ilha no meio de tudo aquilo", continuou.

Eles foram levados até um abrigo da região. Agora, estão na casa do namorado de Amahnda. Os pais, o irmão e o cachorro dela foram resgatados na segunda-feira (6). "Ainda não os encontrei, não sei os detalhes do resgate. Mas sei que não foi fácil. Saíram sem nada só com documentos. Passaram por dois abrigos antes. Agora estão em um hotel do sindicato do trabalho do meu pai e estão seguros e mais confortáveis", finalizou.

Rastros de destruição no Vale do Rio Taquari

A cidade de Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari, que já tinha sido atingida por uma enchente em 2023, exibe um rastro de completa destruição. "Tem um cheiro muito forte de podre. É muita sujeira, pó, barro", relatou a geóloga Carolina Lazzaron, de 28 anos. Moradora de Garopaba, no Sul de Santa Catarina, ela chegou na cidade gaúcha há poucos dias para ajudar na reconstrução da casa dos pais, localizada no bairro Glucostarck. O agricultor Iloir Lazzaron e a doméstica Claudete Lazzaron, ambos de 71 anos, vivem lá desde os anos 90.

Imagens mostram como ficou a casa da família Lazzaron após recuo da água:

Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Carolina contou à PIXTV que os moradores já estavam acostumadas com as cheias do Rio Taquari, mas essa vez foi diferente."Em setembro e novembro entrou água na casa deles no primeiro andar, mas muito pouco. Em setembro entrou 30 centímetros e na de novembro entrou menos que isso e, até então, nunca tinha entrado", ressaltou.

No feriado do Dia do Trabalhador, ela recebeu uma ligação da irmã avisando que os pais deixariam a casa devido a um alerta de risco muito alto para inundações, o que levava a crer que eles não estariam seguros no segundo andar do imóvel. Os idosos foram resgatados de barco por um vizinho, a água ainda não tinha invadido. Carolina está hospedada com os pais na casa do irmão em Lageado, cidade vizinha de Cruzeiro do Sul e que também foi afetada.

Carolina e o namorado saíram de Garopaba na manhã de 7 de maio e levaram cerca de doze horas para chegar a Lageado, uma viagem que, geralmente, dura por volta de seis horas. "Não reconheço o lugar que cresci e me criei. Fico triste por ver a casa dos meus pais nessas condições, mas, ao mesmo tempo, olho para o meu lado e vejo os vizinhos que nem casa tem para limpar, e sinto que não deveria reclamar. É um misto de sentimento. Fico triste pelos vizinhos, amigos, tios que perderam tudo e me sinto impotente de não poder ajudar a todos. Apesar da tristeza de ver meus pais perderam tudo que lutaram muito para conseguir, sinto força quando estou com eles. E sinto que vamos nos reconstruir", comentou.

Com o recuo da água, os esforços da família Lazzaron se voltaram para a limpeza da residência. "A gente trabalha o dia inteiro, só paramos para comer. Onde a gente olha tem coisas a se fazer. A principais dificuldades são a falta de água potável, energia elétrica e braços para ajudar na limpeza", relatou.

O município, de 12.402 habitantes, registra dez mortes e nove desaparecidos, de acordo com boletim da Defesa Civil divulgado às 9h desta quinta-feira (16). A prefeitura estima que 50% da população está fora de casa, sendo 5,7 mil deslocadas e 448 desabrigadas. São em torno de 800 alunos fora das salas de aula.

Casas, árvores, veículos e tudo o que estava ao alcance das enchentes foi arrastado:

RS recebe ajuda de voluntários 

No meio de tanta dor e sofrimento, a ajuda de milhares chega como um respiro, um alento às vítimas. Uma rede de solidariedade se formou em todo o Brasil e até mesmo fora dele, com arrecadação de doações para quem mais precisa. O governo gaúcho arrecadou, até o momento, mais de R$ 100 milhões em doações via Pix na campanha 'SOS Rio Grande do Sul'. A ajuda financeira é encaminhada por particulares, pela iniciativa privada e por outras instituições. 

Entre os milhares de voluntários espalhados pelo Rio Grande do Sul, está uma farmacêutica clínica especializada em cuidados intensivos que trabalha no Instituto de Cardiologia de Santa Catarina (ICSC). A catarinense Stephanie Colin saiu de Florianópolis no último sábado (11) levando diversos medicamentos. A viagem foi compartilhada com outros quatro profissionais.

A farmacêutica prestou ajuda às famílias desabrigadas em um abrigo montado no Centro Social Marista (Cesmar) na cidade de Alvorada, na região metropolitana de Porto Alegre. Lá, fez de tudo um pouco. "Não fiz só um trabalho de farmacêutica, fiz um trabalho humanitário. Tudo que precisava eu fiz", disse. Ouça o relato completo da voluntária:

O número de moradores fora de casa após os temporais no Estado já é superior à população de oito capitais brasileiras. Conforme apurado pelo g1, o quantitativo é maior que as populações de Rio Branco (AC), Macapá (AP), Vitória (ES), Porto Velho (RO), Boa Vista (RR), Florianópolis (SC), Aracaju (SE) e Palmas (TO). Os números levam em consideração os dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 

Impressionante: Municípios do RS são devastados pela água

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